Um reconhecimento a quem merece
PROF. DR. FERNANDO L. B. MONTENEGRO
Nosso entrevistado da semana é Mestre e Doutor pela FOUSP, Especialista em Prótese e Periodontia, Coordenador Cursos de Especialização em Odontogeriatria na ABO-SP e NAP Instituto. Co-autor de dois livros de Odontogeriatria pioneiros no País em 2002 e 2013, tendo já ministrado mais de 160 Palestras de Odontogeriatria no Brasil e América Latina.
Quem influenciou para fazer Odontologia?
Sem dar qualquer expectativa, para não influenciar decisivamente a vida de outra pessoa, foi meu tio Cirugião Dentista, o Dr.Ruy Brunetti.
Onde fez a faculdade e quais suas lembranças desse tempo?
Foi há mais de 35 anos, na querida Faculdade de Odontologia de Bauru, na época a única Faculdade de Odontologia naquela importante cidade de São Paulo. Era uma turma pequena de 50 alunos por ano e nós, os de outras cidades, morávamos em repúblicas com todas as histórias que estes locais permitem criar para sempre em nossas vidas. Estudávamos muito (a FOB era fogo!!), mas também podíamos uma ou duas vezes por semana sair pra uma cervejinha rápida na região... Felizmente as drogas da época não passavam deste líquido gelado....
Como e onde foi seu início na profissão?
Foi no Centro Medico Moderno, na Faculdade de Santo Amaro (Especialização em Periodontia e na Cadeira de Prótese Dentária). Depois um colega de turma me chamou para trabalhar no Bradesco, que tinha quase 500 Cirurgiões Dentistas contratados por todo Brasil. Também estagiava nos consultórios dos excelentes profissionais Marcelo Augusto Galante, Pedro Américo Machado Bastos, Paulo Guerra Filho e Haroldo Montagna no saudoso Dentão original lá na Av. 9 de Julho. Cada um destes locais e profissionais ajudou muito na minha formação pessoal e profissional e sempre os agradeci bastante quando estavam vivos. . Depois vieram o consultório de Ruy Fonseca Brunetti (por mais de 25 anos), o estagio nos Materiais Dentários da FOUSP, na Prótese Removível da FO São José dos Campos, com o único Dr. João Vieira de Moraes e depois estagio de dois anos na Removível da FOUSP com “Dom “ Reynaldo Todescan. Todas estas atividades me ajudaram a depois assumir posições na Prótese Dentária da UMC, da UNIP e da UnG dentro das progressões esperadas. Junto traduzia livros, revisava livros, publicações e começava o Mestrado e Doutorado na FOUSP. Em paralelo a tudo foram 33 anos como Cirurgião Dentista no INAMPS, depois SUS e Secretaria da Saúde.
Lembra quem foi seu primeiro paciente?
Foi um senhor burocrático do mundo da moda, que atendia lá no consultório do meu tio sempre bem nos finais de expediente... afinal o consultório era dele......Obrigado por sua paciência, meu caro Admir! No meu Consultório atual foi o Advogado Francisco que até cortou a fita inaugural....
Qual foi o caso que lembra como mais difícil?
O caso mais difícil foi uma endodontia de um molar superior que além dos quatro já difíceis canais, tinha um quinto canal que era o que se mantinha doendo ao longo das semanas... Ele foi o caso que me fez não mexer mais com Endodontia até hoje... Mas respeito muito os colegas desta difícil área profissional.
E um que tenha sido o mais gratificante?
Foi o do “seu” Santana que teve desde as radiografias de planejamento até a reabilitação oral, passando pela grande maioria das Especialidades Odontológicas. Sua confiança no meu trabalho e o senso de reconhecimento foi um grande marco para mim.
Lembra de algum caso pitoresco acontecido no consultório?
Pitoresco foi tentar trabalhar ouvindo Pink Floyd, Yes, Gentle Giant, Jethro Tull, Titanic e Genesis nos anos 70 no som ambiente do consultório depois que o Dr. Ruy voltava para casa. Era uma dificuldade enorme me concentrar... mas os casos iam acabando e com o tempo tive de mudar o ritmo, pois ele não agradava a todos os pacientes... Naquela época era comum chegar para jantar em casa depois das 23 horas, quando tinha saído às 6.30 para começar no Bradesco, o primeiro emprego do dia... Teve também o dia que me pediram para consertar um cano de água do consultório e por eu não ser encanador, foi duro, depois de duas horas em cima, encontrar um encanador que mexesse lá pelas 23.30 horas... Mas foi bom pra descobrirem minhas limitações...
Quais foram os seus maiores ou melhores momentos?
Foi minha primeira viagem internacional, o convite para dar aula na UMC, a homenagem de ser paraninfo de uma Turma, a defesa do Doutorado, o primeiro artigo publicado, a primeira aula terminada, ver o primeiro livro de Odontogeriatria na “estrada”, meu casamento (a esposa entrando na igreja) minhas filhas nascendo (cada uma a seu tempo claro), as quatro turmas de Especialização em Odontogeriatria, ainda poder ir às reuniões de Turma da FOB a cada cinco anos, poder estar aqui respondendo estas perguntas do amigo Ribeiro...
Qual foi o marketing que usou para começar?
Naquela época eu já deveria ter usado as importantes noções de marketing que você Ribeiro busca passar para todos meus colegas, mas era tudo aos “trancos e barrancos”, sem um planejamento especifico ou com uma base bem estudada... Pode ter dado certo num ângulo de visão, mas não como pudesse ser numa visão mercadológica mais bem solidificada e calcada em fatos precisos. Mas sempre é tempo para mudar e ando lendo muito agora, quem sabe???
Tem algum parente Cirurgião Dentista?
Durante muitos anos foi só o Dr. Ruy Fonseca Brunetti. Mais para frente foi a Dra Maria Christina Brunetti, depois minha esposa, aí os dois irmãos dela e mais um co-cunhado. Um festival de Cirurgiões Dentistas ao redor!... Minha esposa está comigo no consultório e torna a “tarefa mais fácil “...
Quem é seu maior ídolo na Odontologia?
Tive e tenho vários e posso errar ao esquecer algum. Mas simbolizo todos na figura do Dr. Dioracy Fonterrada Vieira, um professor brasileiro de materiais dentários que dava curso de sua Matéria em Ingles nos Estados Unidos e que se dignava a ver meus preparos cavitários de dentística quando estava em Bauru, claro, com uma lupa...
Quem são os seus grandes amigos na profissão?
Outra dificuldade de citar, mas os Drs. Leonardo Marchini e o Dr. Sergio Ourique, estão entre eles.
E quem fez mais pela classe nestes anos todos?
Ainda está para aparecer um dirigente odontológico que consiga realmente reformular a profissão, desde diminuir o número de Faculdades, reformar o Currículo das que ficassem (inclusive incluindo a Odontogeriatria como obrigatória) e de organizar (para o bem dos Dentistas) o mundo selvagem dos convênios odontológicos, que nos aviltam demais no dia-a-dia, mas que reformulados, poderiam ser uma solução para um atendimento odontológico mais inclusivo à população. Este messias odontológico ainda precisa existir !
Qual seu livro ou autor preferido na profissão?
Como profissional, talvez tenha sido G.V. Black que em 1896 falava do papel PREVENTIVO que um Dentista deveria ter, sendo que as bases da Prevenção só foram estabelecidas cinquenta anos depois de sua fala. Atualmente tenho lido e muito sobre Gerontologia como um todo em português, inglês e espanhol para me manter informado sobre o que é importante saber para uma Odontogeriatria Multidisciplinar, que é imprescindível nos dias atuais.
Qual a revista odontológica que mais gosta de ler?
A Revista Gaúcha de Odontologia, a Revista Dentistry Brasil e a Revista Portal de Divulgação que sempre tem algum artigo interessante de Odontologia.
Quais entidades a que pertence ou participa?
Já trabalhei 20 anos seguidos na APCD Central, expandindo o Depto de Vídeo de 05 para 1896 títulos científicos. Criando a EAP Prevenção que orientava preventivamente os colegas, escrevendo no Jornal da APCD. Também pude criar com colegas da UNIP, da Prótese Dentária, o então inédito “Manual do Dentista Recém Formado” junto ao CROSP, que tinha muitas informações jamais juntadas num a só publicação e que era entregue aos colegas quando de suas formaturas. No momento sou sócio remido da APCD (com muito orgulho!) e membro da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia
Como está vendo o presente momento na Odontologia?
Algo precisa acontecer para melhorar nossa profissão, especialmente nos grandes centros, pois esta guerra de foice só prejudica a todos. É preciso que quem se forme em Faculdades Públicas dê seu quinhão de trabalho comunitário depois de se formar. É preciso diminuir o número de escolas, pois muitas sequer conseguem juntar alunos para fazer um vestibular e isto é um paradoxo: porque ter mais de 200 Faculdades de Odontologia? Reformular currículos universitários com mais clinica realmente integrada desde o segundo até o último. Buscar inserção do Dentista na comunidade, quebrando o estigma de “careiro” e de “só lá no meu consultório eu resolvo” que acabamos erradamente tendo nos últimos anos.
Qual caminho vê como mais indicado para a profissão?
São os citados acima e dirigentes que realmente consigam mudar algo deste status quo universitário, classista e profissional. A experiência dos mais antigos pode ser boa (e é !), mas os jovens colegas precisam ser ouvidos e buscar uma Odontologia que possa ainda trazer de volta o orgulho que um dia tive de ser um Dentista.
A que atribui o seu sucesso profissional?
Se sucesso é acordar às 5 horas da manhã, trabalhar o dia todo, lutar para fechar as contas mensais e ensinar algo de digno nisto tudo para as minhas filhas... creio que ainda tenho muito a fazer nos anos por vir e olha que já são 37 anos de formado!
Quem o ajudou no crescimento profissional?
Longe de qualquer outro, vendo com olhos e mente de hoje também, foi o Dr. Ruy Fonseca Brunetti, sem qualquer sombra de dúvida. MAs tiveram muitos outros responsáveis por meu crescimento profissional, alguns dos quais citei antes nesta entrevista.
Sente ter se realizado profissionalmente?
Ainda há o quê fazer, conquistar e a Odontogeriatria me motiva nisto nos dias atuais. Com este segundo livro, agora por uma editora internacional, a Elsevier, com uma excelente parte de internet para os leitores. Compartilhar é sempre muito bom profissionalmente!
Existem sete livros de Odontogeriatria no Brasil: no que seu livro se diferencia?
Cada livro em português, publicado de 2002 até hoje, tem boas informações sobre Odontogeriatria, mas para ser realmente completo, na nossa ótica de hoje, teria de ter mais de mil e quinhentas páginas para ser realmente abrangente nas problemáticas que envolvem a terceira idade e que, no nosso ver deveriam ser abordadas. Mas um livro de 1500 paginas é muito difícil de fazer, bem como teria um custo proibitivo, pois teria de ter muitas fotos coloridas, o que encareceria demais o produto final.
Nosso livro de 2013, Odontogeriatria - uma visão gerontológica tem boas informações gerontológicas com médicos geriatras, assistentes sociais, nutricionistas, psicólogas, gerontólogos, que buscam abordar o que julgam importante conhecer em suas áreas e de como isto afeta a Odontologia nos idosos, e isto engrandece o livro sobre maneira. Também a extensa parte de Internet, com acesso para quem compra o livro. É algo bem diferente de outros livros da área com fichas clínicas, vídeos, links de artigos usados no livro, dentre outros pontos válidos de citar. Claro, sabemos de suas limitações, mas creio traga um grande auxílio a quem precisa ver a Odontogeriatria como algo que envolve muito mais que só especialidades odontológicas.
Voce está querendo nos dizer que seu livro então é Interdisciplinar?
Sim , nosso livro tem esta forte característica e ainda busca fazer o leitor ver a importância destes colegas de área de saúde, somado aos intensivistas, enfermeiros, fisioterapeutas e cuidadores de idosos (familiares e contratados) com participação efetiva na recuperação ampla de um paciente idoso. A isto chamamos de Interdisciplinaridade ou Multidisciplinaridade.
Vi aqui que seu livro tem muitas fotos e quadros sinóticos, por quê?
O livro tem mais de 250 fotos de casos clínicos e quase 180 quadros & gráficos sinóticos coloridos, que muito ajudam na compreensão do conteúdo e no entendimento da proposição dos capítulos. Mas também cada capítulo tem uma frase que julgamos importante salientar, o pensamento de Cora Coralina no início do livro, o índice remissivo bem detalhado no final, o conteúdo de internet pertinente e assim julgamos que estamos fazendo o melhor que podemos por esta área da Odontologia, os pacientes e seus cuidadores.
Como espera ser o futuro da profissão?
Como uma real integração entre o mundo acadêmico e o profissional da Odontologia, com profissionais sendo formados para a realidade do mercado e não numa Odontologia irreal e que ele não encontrará nas ruas facilmente. Apesar da profissão estar estabelecida desde a década de 70, agora, quase 50 anos depois, é preciso buscar novos rumos, especialmente nas grandes cidades brasileiras.
Deixe uma sugestão ou mensagem para os mais novos.
Nunca desistam, pois nossa profissão é linda. As leis de mercado estão diminuindo o número de estudantes, mas um mundo melhor nos aguarda nas próximas décadas. Estude e sempre: nunca pare de ler boas publicações odontológicas
A palavra é sua para suas considerações finais.
Está sendo muito positiva a Odontogeriatria em minha vida, pois nunca me obriguei a ler tanto, a escrever tanto e dar tantos cursos como jamais fiz. Este 2º livro, lançado agora em Março de 2013, visa a confirmar a importância da Interdisciplinaridade da Odontologia com outras profissões de saúde o que é fundamental no atendimento do idoso, e mostrando aos colegas como isto pode ser feito no dia-a-dia. Também este novo livro aborda a questão Odontológica no âmbito dos hospitais, casas de repouso e residências, buscando um acesso diferenciado com os cuidadores destas pessoas. Uma parte importante do livro é a de Internet, franqueada aos que adquirirem o livro, com vídeos, links, perguntas & respostas e fichas clínicas, que é algo novo nos livros da área aqui em nosso país. São mais de 34 colaboradores de todas as áreas da saúde mas com doze capítulos sendo escritos por mim e o Leonardo Marchini. E com dois professores titulares estrangeiros (Bélgica e Grécia) dando suas importantes contribuições.
Também recomendo que vejam o site gratuito: www.odontogeriatria.dr.odo.br que possui muitos informes para nós e nossos pacientes, numa linguagem bem acessível.
Lembro do Fernando quando ainda era aluno.... tão bem como do saudoso amigo Ruy Fonseca Brunetti, um dos ótimos profissionais da São Paulo dos anos 70 e 80, comentando que o menino era bom e que faria sucesso. Agora lendo e publicando sua entrevista, vejo que tinha razão. Uma vida plena de dedicação e realizações. Parabéns!
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